“A costa da perplexidade” da antropóloga Celene Fonseca, no
qual o eurocentrismo das comemorações do “Brasil 500 anos” é discutido. Para ler
pausadamente e refletir:
A costa da Perplexidade
Celene Fonseca
3
“A ideia de descobrimento do Brasil é um conceito racista, pois nivela os
índios a coisas – como o Monte Pascoal.”
Naus à vista ou terra à vista? Quem primeiro viu uns aos outros, os portugueses
ou os índios? Os dois momentos existiram e não foram certamente simultâneos. O
certo é que os índios já estavam na praia quando os portugueses conseguiram
divisá-la. Talvez já estivessem ali desde a véspera, a costa era bem povoada e
vigiada. Porém, é secundário saber quem teve a primazia do golpe de vista sobre a
nova realidade que se apresentava diante de seus olhos; neste caso, a diferença de
minutos ou de algumas horas não muda a realidade.
Fundamental é ver o acontecimento na sua forma mais completa, conhecer o outro
lado da História. Tanto mais quando se está em presença de visões antagônicas,
cristalizadas hoje na fratura sociorracial do país. Ou seja, quando se sabe que os
“vencidos” de ontem são os excluídos de hoje e que essa maioria, minorizada, não
tem direito a voz.
A perplexidade permeia a história escrita do Brasil desde o início. Essa é a palavra
que melhor resume a sensação experimentada pelos índios quando os portugueses
aqui chegaram: aquela costa foi tomada pela perplexidade. Quem houvera visto
antes homens tão diferentes? Tão peludos, tão narigudos, pálidos, tão cobertos de
vestimentas, alguns com adereços, homens sem mulheres, falando uma língua
ininteligível, pilotando “casas flutuantes”... Quem são eles? De onde vieram?
Onde estão suas mulheres? Escondidas no ventre de suas enormes “canoas”?!
3
Aldeneiva Celene de Almeida Fonseca é antropóloga radicada em Salvador. Altiplano.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Por gentileza, dê sua opinião!